Tarja Preta entrevista Diana Pilatti

Entrevista que concedi ao Coletivo Tarja Preta, em março de 2022, na ocasião do lançamento do livro Haicais e outros poemínimos, volume 10 da III Coleção de livros de bolso do Mulherio das Letras, publicado pela Editora Popular Venas Abiertas, 2022.



 

Nossa entrevistada de hoje é Diana Pilatti, poeta e professora da rede pública de ensino. Nasceu em Foz do Iguaçu/PR, mas mora em Campo Grande/MS desde a infância. Formada em Letras, pela Universidade Católica Dom Bosco, e Mestre em Estudos de Linguagens, pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Coorganizadora da Mostra Poetrix, edições 2020 e 2021, e autora dos livros de poemas Palavras Avulsas (2019), Palavras Póstumas (2020), Palavras DiÔfanas, Editora PatuÔ (2021), e seu último lançamento Haicais e outros poemínimos, volume 10 da III Coleção de Livros de Bolso do Mulherio das Letras, livro de poemas curtos divididos em duas seções: haicais e tercetos temÔticos, nos quais a poeta captura a leveza e a brevidade do mundo. Publicou poemas em diversas coletâneas e revistas literÔrias. Faz parte do Coletivo LiterÔrio Mulherio das Letras e do Coletivo LiterÔrio Independente Tarja Preta. Divulga poesia em seu blog pessoal www.dianapilatti.com e nas redes sociais @dianapilatti

Em seu novo livro, Haicais e outros poemínimos, Diana Pilatti reúne haicais e poemas curtos, escritos entre 2019 e 2021, organizados por temas que abordam o instante fotogrÔfico da vida: pequenas sinestesias, a paisagem noturna, a brevidade da natureza e microaflições do cotidiano, além da saudade e da efêmera temporalidade humana, seus temas mais recorrentes. A obra é resultado de um exercício constante da escrita poética concisa, na forma do terceto, e paradoxalmente densa, por sua multiplicidade de sentidos. O livro também conta, em seu interior, com ilustrações em nanquim de Maria Angélica Chiang, artista Argentina, radicada em Mato Grosso do Sul.




1. Conte um pouco sobre você e sua trajetória profissional.

Aos quinze anos eu jĆ” havia decidido que seria escritora, queria escrever romances policiais, sempre gostei das histórias detetivescas. Mas eu tinha consciĆŖncia das minhas limitaƧƵes e sabia que tinha que estudar muito para tal. Fui fazer o curso de Letras e no meio do caminho me percebi mais poeta do que prosadora. Iniciei publicando em sites relacionados Ć  literatura, por volta de 2007, depois coletĆ¢neas e revistas, em 2019 lancei meu primeiro livro, Palavras Avulsas, na I Coleção de livros de bolso do Mulherio das Letras. E neste ano lanƧo meu quarto livro, Haicais e outros poemĆ­nimos, na III Coleção de livros de bolso do Mulherio das Letras. 


2. Por que escrever? O que torna a literatura importante para vocĆŖ? 

Escrevo para me sentir viva e continuar vivendo neste mundo. No passado, quando jovem, eu sentia que escrever era, em parte, como um registro da minha existĆŖncia no mundo, era a maneira que eu conseguia dizer “Estou aqui e assim sou.” Ɖ claro que crescemos, e as prioridades mudam, precisamos batalhar para ter um teto sobre a cabeƧa e comida no prato. EntĆ£o, a literatura ficou de lado, dando espaƧo para o trabalho e os estudos. PorĆ©m, foi entre 2016 e 2017, em um momento de crise que, durante uma conversa, uma pessoa me fez o seguinte questionamento: “O que falta em vocĆŖ? VocĆŖ deixou de lado algo importante, algo que faz vocĆŖ ser vocĆŖ e nĆ£o outra pessoa. Quem Ć© vocĆŖ?” Essas perguntas foram impactantes para mim naquele momento, e eu só conseguia pensar: Escrever. Foi quando iniciei um processo de organização de escrita, de busca de estilo e de priorizar meu amadurecimento para publicar. Parece exageradamente dramĆ”tico dizer que “a Poesia salva”, mas para mim foi exatamente isso. E na Pandemia, isso ficou mundialmente evidente, precisamos da Arte para viver. 


3. Fale um pouco sobre seus processos de escrita? E quando a inspiração foge, quais tÔticas usa para retomar as rotinas de escrita?

HĆ” momentos que escrevo mais ou escrevo menos, mas tento sempre escrever. Tenho algumas cadernetas que uso para rascunhos, ideias aleatórias, frases ou atĆ© mesmo lista de palavras. NĆ£o sou uma pessoa matinal, entĆ£o nĆ£o consigo “levantar cedo para escrever”, como muito autores fazem. Minha cabeƧa funciona melhor Ć  noite, entĆ£o Ć© antes de dormir que aproveito meu tempo para escrever. Neste Ćŗltimo mĆŖs, tenho trabalhado bastante na reescrita de um conjunto especial de textos, que pretendo transformar em um livro, para lanƧar em 2023. 


4. “Haicais e outros poemĆ­nimos” seu quarto livro. O que esta obra tem em comum ou diverge das obras anteriores?

Meu primeiro livro era composto por poemas diversos relacionados Ć  metalinguagem, tema que gosto muito, por isso chamei de Palavras Avulsas. O segundo livro apresenta ao leitor poemas que dialogam com um tema Ćŗnico: a violĆŖncia contra a mulher. Inicialmente este livro se chamaria “Apenas um corpo sobre a cama”, mas durante o percurso de revisĆ£o e reescrita, mudei para Palavras Póstumas. JĆ” o terceiro livro, Palavras DiĆ”fanas, fala de amor, saudade, e ressurreição. TĆ¢nia Souza me ajudou a escolher esse nome, entĆ£o a chamo de madrinha de batismo, na dedicatória deste livro. Este tĆ­tulo foi escolhido, pois a leitura do livro proporciona essa sensação translĆŗcida, lĆ­quida e ao mesmo tempo leve... sĆ£o realmente poemas diĆ”fanos. O livro que lanƧo no próximo dia 26 de marƧo, Ć© um apanhado de poemas curtos, que organizei em haicais e tercetos temĆ”ticos, que gosto de chamar de poemĆ­nimos. Enfim, sĆ£o livros com temas e motivaƧƵes distintas. Talvez o que eles tenham em comum, sĆ£o os poemas curtos, que gosto de escrever e sempre publico, e a metalinguagem, o poema que fala de si mesmo, da sua feitura e das palavras que o compƵem. 


5. O livro traz ilustrações de Maria Angélica Chiang nas pÔginas que dividem as seções do livro. Conte para nós como as ilustrações conversam com os poemas dentro do livro. E como é trabalhar em parceria com uma artista ligada às artes visuais?

Acredito que as ilustraƧƵes dentro do livro acrescentam sentidos aos textos, no caso de Haicai e outros poemĆ­nimos, as ilustraƧƵes foram feitas com base em poemas que constam no livro ou nas imagens que eles evocam. Contatei Maria AngĆ©lica Chiang e lhe apresentei a proposta: 10 ilustraƧƵes em nanquim para dividir as seƧƵes do livro. Ela topou o desafio. EntĆ£o, lhe enviei as propostas de imagens: garƧa, tulipa, dama da noite com mariposa, jaƧanĆ£, pipa, folhas de figueira, tesourinha na flor de ipĆŖ, magnólia com abelha e uma releitura da Noite Estrelada, de Vincent van Gogh. Dessa maneira mesmo, sem dar grandes detalhes para deixar a artista mais livre para criar. O resultado sĆ£o estas imagens leves e lĆ­quidas, que dialogam perfeitamente com os poemas do livro. 


Ilustração de Maria Angélica Chiang para o livro Haicais e outros poemínimos de Diana Pilatti.

Ilustração de Maria Angélica Chiang para o livro Haicais e outros poemínimos de Diana Pilatti.


6. Por que escrever haicais no Brasil e em pleno sĆ©culo XXI? 

HĆ” uma paz silenciosa no haicai. Mesmo que o nosso haicai jĆ” nĆ£o seja como o haicai oriental, depois de atravessar o tempo, as fronteiras e as traduƧƵes/adaptaƧƵes ao nosso idioma. O haicai Ć© leve, quase que fotogrĆ”fico. E ao mesmo tempo desafiador, quero dizer, como colocar uma ideia em tĆ£o pouco espaƧo?  Assumo que, em vĆ”rios momentos, fujo Ć  essĆŖncia tradicional do haicai e deixo-o denso acrescentando uma multiplicidade semĆ¢ntica, possibilitando ao leitor mais possibilidades de sentidos – e isto Ć© um dos efeitos que mais gosto na poesia diminuta, o dom das possibilidades. 


7. O tempo e a saudade são temas recorrentes nos poemas deste livro, hÔ um motivo especial para esta escolha?

Sinto uma saudade constante. NĆ£o sou uma pessoa nostĆ”lgica, na verdade, penso que o passado deva ficar lĆ”, Ć s cinzas do tempo. Mas tenho um sentimento de falta recorrente, e tento traduzi-lo em poesia, pois de outra maneira, para mim, Ć© difĆ­cil explicar como me sinto. Quanto ao Tempo, este Ć© o mais sĆ”dico dos deuses, que se deleita das nossas agonias ante a finitude do mundo e de nós mesmos, pequenos humanos, presos dentro desta casca de carne, repletos de ideias e sonhos, sem tempo para tal... 


8. Tem algum texto preferido no seu livro? Qual? (transcreva aqui para nós) E o que o torna tão especial?

Ɖ difƭcil escolher textos preferidos, cada dia amo (e odeio) um poema diferente. Mas vou escolher um haicai um terceto que considero muito belos dentro do livro:


nas tardes de inverno

passarinho compƵe salmos

sonho entre os ipĆŖs


Gosto deste poema, pois traz elementos do haicai tradicional, como a marca da estação do ano (o kigo) no primeiro verso, fujo da tradição ao colocar uma metĆ”fora quase que sinestĆ©sica no segundo verso, e encerro evocando a leveza do sonho, uma certa sensação de paz entre os ipĆŖs. 


TRAVESSIA


toco a prata lĆ­quida

ante o espelho da memória – persigo

minha eu-outra


Neste poema, exploro a multiplicidade, ao explorar os sentidos em espelho da memória e o intertexto, dialogando com clĆ”ssico Alice atravĆ©s do espelho. PorĆ©m, a eu-lĆ­rico nĆ£o se aventura no mundo invertido de Alice, mas mergulha em si mesma, perseguindo sua eu-outra numa viagem ao passado, jĆ” que o espelho que atravessa Ć© o da memória... 



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