No dia 1º de março de 2022, foi publicado no blog oficial da Academia Internacional Poetrix - AIP, a entrevista que concedi à poeta Dirce Carneiro, membro da atual diretoria da AIP. Nela, falei sobre o ofício poético, processos criativos, meus livros lançados, sobre o Grupo Poetrix e muito mais.
Qual é sua formação
acadêmica e como ela influencia na sua escrita?
Sou
formada em Letras, escolhi este curso por causa da Literatura, queria aprimorar
minha escrita através dos estudos acadêmicos e literários. Apesar de ter me
desviado no meio do caminho e me aprofundado na área da Linguística. Foi a
Literatura que influenciou minha escolha quanto à formação acadêmica. Atualmente,
o que influencia diretamente minha escrita são as leituras e estudos
independentes, fora do universo acadêmico.
A Literatura, o ofício
de escrever, serve para amenizar sua profissão ou ela complementa, havendo uma
interação entre esses ofícios?
Sou
professora de Língua Portuguesa da Educação Básica. Ler e escrever faz parte do
ofício. É impossível ser uma boa professora sem o hábito da leitura e o
exercício da escrita. Porém, atualmente e temporariamente, atuo como diretora
em uma escola pública. A Gestão Escolar é totalmente burocratizada e isto em
nada se relaciona com a Arte ou a Literatura. Neste aspecto, não há troca ou
interações, na verdade, tento delimitar bem o lugar de cada ofício, ser
diretora e ser escritora, para que possa me dedicar a ambos com qualidade.
Você exerce uma função
que exige ser pragmática. Onde você guarda a poeta no dia a dia?
Na
maior parte do tempo, tento separar a escritora da servidora pública, pois são
carreiras distintas. Uma é mais artística e a outra mais burocrática. Mesmo que
eu concorde com Manoel de Barros que qualquer coisa serve à poesia, o trabalho
burocrático exige uma concentração nada inspiradora. Gostaria de viver só de Arte,
mas em um país como o nosso, que pouco valoriza a leitura, acredito ser
complicado (não digo impossível, mas difícil). É claro que já escrevi bons
poemas inspirados em situações que vivi no trabalho, mas não fiz isso enquanto
estava lá, seria impossível, mesmo se quisesse. Em suma, e infelizmente, não
sou poeta nos dias úteis.
Já que você citou
Manoel de Barros: Qual é a matéria da sua poesia? Manoel de Barros diz que
“tudo é matéria de poesia”. O que nos diz do seu verso “O que é bom para o lixo
é bom para a poesia”?
Acredito
que Manoel de Barros assim escreveu por causa do pensamento engessado que paira
em torno do conceito de poesia e sobre quais seriam seus temas. Acredito que
Manoel de Barros queria romper com os modelos literários da sua época e buscar
seu próprio estilo. Desde que comecei a escrever e publicar, eu já me deparei
com vários homens ditos “estudiosos” e “críticos” literários, que queriam me
ensinar a escrever, nas palavras deles, “da forma correta, como um bom poema
deve ser”. Acredito que o mesmo aconteceu com Manoel de Barros, então, para
estes tais “estudiosos” ele fez questão de afirmar que sua poesia vem do lixo e
pronto... Pensando nisso agora, acho que vou adotar isso como estratégia, quem
sabe assim me livro destes sermões que não pedi. (risos)
Concordo
com Manoel de Barros, tudo serve à poesia, basta lavrar bem o verso, escolher a
dedo as palavras, lapidá-las com calma e engenho, e tudo dará certo. E saber
filtrar bem as supostas críticas que surgem como pedras no caminho poético.
Quanto
à minha matéria de poesia, me desafio a escrever sobre tudo. Obviamente tenho
meus temas preferidos: social, saudade, metalinguagem, contemplação da
natureza, entre outros.
De onde vem sua
inspiração para escrever? Como é seu processo criativo? Tem períodos em que não
produz? Se sim, como reage?
Várias
coisas podem me inspirar: uma conversa, um passeio ou viagem, uma obra de arte,
estudar textos já consagrados em nossa literatura. Mas minha maior fonte de
inspiração, sem sombra ou dúvida, vem da leitura de autoras e autores contemporâneos
a mim: a proximidade temporal, vivenciar o mesmo contexto histórico, a
possibilidade, para além da leitura, de conversar e trocar experiências
literárias são inspiradoras e colaboram com meu processo de amadurecimento
profissional e estético.
Tenho
períodos de produção literária zero. É triste e doloroso. É como conviver com
um buraco no peito, uma fase ruim sem previsão de finalização. Em geral, neste
período, procuro ver bons filmes e tento ler coisas diferentes para reacender a
chama da inspiração, sem forçar, claro, pois pode ser frustrante insistir muito
e não conseguir produzir a contento. Às vezes faço exercícios de escrita sem
pretensões artísticas: escrevo “o que me der na telha”, sem me preocupar com a qualidade
e, por incrível que pareça, estes exercícios que a princípio tão bobos, podem
se converter na fagulha que eu preciso para escrever.
O que acha do Movimento
Minimalista? Como e quando conheceu o Poetrix?
Penso
que o Movimento Minimalista teve grande impacto, não só nas Artes, mas na
arquitetura e até mesmo como estilo de vida de várias pessoas. Literariamente
falando, é um grande desafio escrever um texto minimalista, pois desde cedo
aprendemos na escola que um bom texto precisa ser claro e objetivo, e que para
tal é necessário o emprego adequado das palavras, principalmente dos conectivos,
como se não existisse coerência e coesão sem eles. Na poesia, o emprego correto
das palavras também é essencial, porém não para produzir um único sentido, mas
para produzir múltiplas possibilidades de entendimento ao leitor, e neste
processo, os conectivos podem ser dispensados, sem perda de qualidade poética.
Quanto
ao Poetrix, assim como muitos autores, o encontrei no Recanto das Letras, por
volta de 2008, pesquisando sobre poemas curtos. Foi lá que conheci os poetas
José de Castro, Kathleen Lessa, Denise Severgnini, entre outros com os quais
fui aprendendo sobre o Poetrix.
Sabemos que você
interage nas redes sociais, com sua literatura, especialmente a Poesia, quais
desses espaços você acha melhor para divulgação?
As
redes sociais são caminhos para que nossos textos cheguem até os leitores mais
distantes, fora da minha cidade, por exemplo, em outros estados ou países. Eu
tenho perfis no Instagram e no Facebook, os utilizo por uma questão de
afinidade com estes modelos de plataformas. Claro que cada escritor deve
procurar o caminho que a ele seja mais prazeroso trabalhar. Já ouvi dizer de
autores que fazem sucesso no Tiktok, por exemplo, uma rede social que não tem
nada a ver comigo (risos). Pensando de uma forma mais profissional e menos
pessoal, afirmo que autor deva escolher a rede onde divulgar de acordo com público
ao qual se destina a obra.
Você participa junto à
organização de diversas iniciativas literárias, fora e dentro das redes, planta
projetos que dão bons frutos. Gostaria de falar sobre algum deles, as Oficinas,
os Grupos que criou?
Já
participei de diversos projetos literários, alguns ligados a instituições já
consolidadas, outros organizados por grupos independentes, e nestes atuei na
estruturação desde os alicerces até ás produções finais. Em 2022, há dois
grupos de produção e divulgação literária que considero mais relevantes: o Selo
Poetrix e o Coletivo Tarja Preta.
O
Selo Poetrix é um grupo de poetas de várias regiões do país, que exercitam a
escrita do Poetrix por meio de cirandas temáticas. Elaboramos um cronograma de
temas sugeridos pelos próprios autores do grupo e vamos criando, os prazos são
bem confortáveis, pois o que nos move não é a obrigação, mas o prazer na
escrita. Neste grupo estão vários membros da Academia Internacional Poetrix,
entre eles José de Castro, com o qual coorganizo a Mostra Poetrix, publicando
poetas membros do grupo Selo Poetrix e poetas convidados. (Ao final desta
entrevista, deixarei o link para a última edição da Mostra Poetrix para
leitura.)
O
Coletivo Tarja Preta é composto exclusivamente de autores de Mato Grosso do Sul
e tem como objetivo a divulgação da literatura da nossa região, além de
projetos literários, como saraus, lançamentos de livros, publicações em
revistas locais, rodas de conversa e debates sobre a literatura. Por ser um
coletivo, as ações são divididas entre os membros o grupo, de acordo com a
disponibilidade de cada um. Nossa última apresentação, por exemplo, foi o sarau
“Poesia Desvairada” no Sesc Cultura MS, no dia 12 de fevereiro de 2022, que
teve destaque entre as diversas apresentações sobre o Centenário da Semana de
Arte Moderna. Mas também estamos com projetos de coletâneas de poesia,
entrevistas com autores e autoras sul-matogrossenses e outras surpresas para o
decorrer deste ano. Deixarei o link do blog do Tarja Preta para vocês
conferirem as atividades: https://coletivotarjapreta.blogspot.com/
Sobre as Oficinas que
você ministra, o que mais gostaria de falar? Tem ou teve retorno? Pode citar um
fato nesse sentido?
Ministrar
oficinas não é uma prática frequente, pois tenho poucos horários disponíveis
durante minha jornada de trabalho. Geralmente faço a pedido e para algum evento
específico, como foi o caso da Oficina Poetrix, no Proler de 2020, e mesmo
assim devido à mudança na programação e a quantidade de inscritos, acabei
mudando o formato de oficina para uma aula mais expositiva mesmo (risos), mesmo
assim, foi ótimo.
Quais gêneros
literários você já publicou? Como foi vender seus livros?
Atualmente
só publico poemas. Tenho planos de fazer um livro de contos, mas ainda tenho
que estudar mais o gênero narrativo para conseguir chegar ao resultado que
desejo.
Vender
meus próprios livros é desafiador e ao mesmo tempo prazeroso, pois posso ter contato
direto com os leitores. Porém, é um processo lento, o retorno demora chegar e
necessito dedicar bastante tempo à divulgação. As primeiras tiragens dos livros
vendem bem, dentro do ano de seu lançamento. Fiz a experiência de imprimir uma
segunda tiragem de um dos meus livros, esta já não vendeu tão bem quanto a
primeira, mas valeu como aprendizado. Daquele momento em diante, decidi que minhas
autopublicações ficarão disponíveis para baixar de forma gratuita a partir do
momento que se esgotar a primeira tiragem – esta também é uma forma de me
organizar para ter sempre um livro novo no ano.
No seu último livro
Palavras Diáfanas você escreve as cartas poéticas. Como chegou a esta
modalidade? Para quem você destina as cartas nesse livro?
Eu
não diria uma modalidade, são poemas nos quais a eu-lírico conversa com o
leitor ou com um amigo-amor ausente, como se fosse uma carta, em conteúdo, mas
é um poema, no diz respeito à forma. Não é uma ideia original fazer um poema destinado
a alguém, vários autores fazem isso. Os títulos dos poemas foram escolhidos de
acordo com os meses do ano, por isso, no decorrer da leitura, temos a carta de
janeiro, a carta de fevereiro, e assim por diante. Eram muitos os poemas que
intitulei de “carta”, durante a organização do livro eu cortei vários, deixando
um de cada mês somente. Quanto ao possível destinatário ou destinatária dos poemas, deixo a
cargo dos leitores e leitoras tentarem adivinhar...
A sua poesia é concisa,
porém densa. Nela não há lugar para o supérfluo. Como atingiu esse estilo?
Procurar
um estilo próprio de poesia é um exercício constante. Alguns autores passa a
vida tentando encontrar esta identidade, sem conseguir. Particularmente, gosto
o poema que traz algo a mais na entrelinha, um poema para ser lido duas ou três
vezes a fim de se mergulhar nas várias possibilidades interpretativas. Então,
tento explorar mais os sentidos e menos a forma ou a musicalidade. Falando
especificamente do Poetrix, a multiplicidade é a característica que mais
exploro, pois é ela que mostrará ao leitor novos significados na trama poética.
O seu livro estava
entre os da Coleção I do Mulherio das Letras 2019, que concorreu ao Prêmio
Jabuti. Fale-nos sobre esse evento: o que sentiu, repercussão, se lhe trouxe
frutos, sobre a editora.
A
I Coleção de Livros de Bolso do Mulherio das Letras esteve entre os dez
finalistas na categoria Inovação: Fomento à Leitura, do Prêmio Jabuti de
Literatura 2020. Foi uma surpresa e uma alegria imensa ver o nome da coleção
naquela lista. Claro que eu não estava só, a coleção é composta por 20 autoras
de diversas regiões do país, então, gosto de dizer que foi uma vitória
coletiva. Mesmo que não tenhamos passado para a segunda fase do Prêmio, estar
entre os dez melhores deu visibilidade ao projeto, organizado pela escritora
Karine Bassi, proprietária da Editora Venas Abiertas.
Na
época da divulgação dos dez finalistas do Prêmio, eu já estava lançando minha
segunda obra, e o livro Palavras Avulsas,
que fazia parte da primeira coleção, já estava disponível para baixar
gratuitamente na minha página pessoal, pois estava praticamente esgotado. Mas viver
este momento me deu a certeza de que autoras e projetos independentes tem
qualidade e podem competir em grandes prêmios.
Qual a importância dos
coletivos femininos para as mulheres escritoras?
Fazer
parte de um coletivo feminino e feminista fez grande diferença na minha maneira
de ver a literatura e refletir sobre os fatos históricos e o contexto atual do
nosso país. Tenho aprendido muito. São muitos os debates literários e também as
oportunidades de publicação: participei de vários encontros de autoras, com
seminários, mesas redondas, oficinas e divulgação de estudos acadêmicos feitos
por mulheres de vários lugares do Brasil e de países de língua portuguesa, além
de ter participado de diversas coletâneas de autoras nos últimos anos.
Como se sente sendo
membro da Academia Internacional Poetrix? Qual projeto gostaria de ver
implantado na AIP?
Pra
mim é uma grande alegria poder fazer parte da AIP, além da admiração e amizade
que tenho com vários membros da Academia, acredito na importância do seu papel
enquanto entidade mantenedora e de divulgação do Poetrix e seus autores e
autoras.
A
atual diretoria tem um ótimo cronograma de atividades, então é difícil sugerir
algo novo ou diferente. Dentre estas ações, está o retorno dos concursos de
Poetrix, que são um ótimo mecanismo para conhecermos novos poetas. Outra ação
que está na programação da atual diretoria é a criação da Identidade Visual da
Academia, para mim esta é uma ação muito importante, simbólico e esteticamente.
Espero poder colaborar de forma ativa e significativa no desenvolvimento das
atividades acadêmicas.
Como escolhe as
ilustrações para os Poetrix? Acha que a imagem deve ser uma “fotografia do
poetrix” ou, como a poesia, pode ser uma metáfora para o texto?
A
escolha não é um processo sistematizado de etapas fixas. Às vezes vejo uma
imagem, tenho uma ideia e escrevo sobre ela, depois faço a montagem
digitalmente. Ou o contrário, quando eu escrevo o poetrix, vem uma imagem na
minha cabeça, então começo a procurar uma foto ou ilustração mais próxima do
produto final que tenho em mente (claro que esta segunda possibilidade é bem
mais demorada de fazer, pois tenho que encontrar a imagem correta, etapa que exige
tempo e pesquisa). Para a parte gráfica uso a plataforma Canva de edição, pois tem
várias opções de fontes, um banco de imagens para pesquisar, permite fazer
edições simples, e acho mais fácil trabalhar com ela.
Sobre
se a imagem deve ser uma foto do poetrix ou uma metáfora, acredito que cabe ao
autor decidir, existem essas duas possibilidades, mas eu prefiro quando a
imagem estabelece um diálogo com o texto, de alguma maneira eles se
complementam esteticamente, em perder suas identidades individuais, se texto e
imagem forem separados (a estética é muito importante, pois ela transformará
esta união de texto e imagem em uma obra de arte, caso contrário, será apenas
um texto diagramado e/ou ilustrado, sem poesia no conjunto), e por último e
mais importante, que respeite os princípios do poetrix: seja minimalista, tenha
leveza e multiplicidade, por exemplo.
Cite um escritor de que
gosta e porquê.
É
difícil escolher uma escritora apenas, gosto muito de Hilda Hilts, sua poesia é
sensível e múltipla, conhecer sua obra me fez repensar uma série de coisas e
minha poesia não é mais a mesma depois deste encontro... Gosto também de
Alejandra Pizarnik, seus poemas curtos tem grande densidade. Das autoras
contemporâneas vivas, gosto muito de Tânia Souza, sua escrita é eclética e leve,
cria texto onde o regional se mistura ao clássico, produzindo imagens
belíssimas.
Cite o Poetrix de que
mais gosta.
Dos
mais recentes, publicado na IV Mostra Poetrix, de setembro de 2021:
SAUDADE
fogão
a lenha
ainda
posso ouvir sua voz
chama
hipnótica
A
saudade é um dos temas que mais gosto, este poetrix, em específico, oferta ao leitor e
leitora uma imagem silenciosa e cálida ao mesmo tempo.
Outro
poetrix que gosto, também está na IV Mostra Poetrix:
AVE-RIACHO
fluida
calmaria
desce
lento o camalote
à
margem, o poema é livre
A
metalinguagem e a natureza são recorrentes meu poemas. Já me criticaram dizendo
que a metalinguagem é clichê e fora de moda, mas tento focar nas coisas que
gosto e amadurecer meu estilo próprio, tentando separar a crítica construtiva
da crítica “dor de cotovelo”.
Para
quem não conhece a Mostra Poetrix, é um projeto que coorganizo com o poeta José
de Castro, que também é membro da Academia Internacional Poetrix. Com o
objetivo de divulgar gratuitamente o Poetrix e seus autores e autoras, editamos
uma coletânea em formato pdf, buscando incluir sempre poetas já conhecidos do
universo Poetrix e iniciantes. Já editamos quatro livros neste formato digital
e deixo o link da IV Mostra Poetrix aqui para leitura.
Para ler a entrevista diretamente no blog da Academia Internacional Poetrix - AIP, clique aqui.