Sempre considerei bons os textos que me fizessem, em um determinado momento da leitura, reclinar o livro, olhar para cima, viajar para dentro de mim e (re)pensar uma série de cousas... E já no título faço as malas com Tânia Souza, “Entre as rendas dos ossos e outros sonhos desabitados” me fez pensar em vários sonhos que construí e reconstruí ao longo da vida e, por um motivo e outro, me mudei deles sem ao menos me dar ao trabalho de demoli-los. À mercê do tempo, sonhos desabitados, ruínas, escombros de algo que fui e desejei um dia... E que viagem que proporcionaram as páginas deste livro! Foi como abrir uma caixa antiga e revisitar “polaroides de infância”. Voltei ao “bolicho da esquina” com minhas moedinhas, comprei alguns doces e saudades de colo de mãe, corri descalça pelo “quintal da infância”, pra depois dormir com “cheiro bom de histórias / - Mãe, me cobre? / como era linda, a imensidão”... Mas crescemos, então é preciso seguir viagem. Caronte dá o ar da graça, navegando no Rio Apa com seu chapéu de palha e tomando tereré com chipa, mas é cedo, então continuo. E “veio a vida encharcando de sol e alegria meus espantos” e fui convidada a tomar um café com a quietude, me contemplando ali, traduzida em palavras, “eu que era apenas mulher / mudez e estilhaços”. Mas somos tantas, somos muitas, e me encontrei com a mulher que, descobrindo o amor, aprendeu a amar-se, “eu quis morar no teu beijo / no teu colo / no eu-tu-eu entrelaços (...) aprendi a gostar de ti / e também de mim”. E ouso dizer que até me encontrei com a mulher-bruxa-profética que me disse coisas vindouras, das quais assumo ter me alegrado, “neste dia haverá chuva de alegrias / e os homens que decidem coisas / com suas canetas douradas / e nenhum coração / terão medo / e se esconderão”. Ah, minha amiga, que a deusa te ouça! Então parto outra vez, feliz em encontrar com essa mulher-poeta “uma deusa [que] goza o corpoema” mesmo a vida sendo abismos e saudades.
O livro Entre as rendas dos ossos e outros sonhos desabitados de Tânia Souza – volume 15 da II Coleção de livros de bolso do mulherio das Letras, 2020.
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Setembro de 2020.
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