Poemas inéditos


No dia 25 de dezembro de 2020, a Revista Ruído Manifesto publicou seis poemas inéditos de minha autoria. Poemas sobre o tempo e a metalinguagem, alguns de meus temas preferidos. 


o poeta está morto

        “então eu não disse nada e amassei o amor tentando esquecer.”

         O peso do pássaro morto, Aline Bei, 2017


sob a palavra imóvel

já sem ritmo ou alegorias

- o poeta está morto.

 

na retina da noite

um verso cego sem fio

- o poeta está morto.


cala-se o orvalho

Vênus quebra-se oca

- o poeta está morto.


ilegível

poesia-rascunho

nas vestes da morte

pandêmica foice

                  fútil

                  o poema

                  sem cerimônias:

                  - Toca, Barqueiro!

                  Fique com o troco…

                  Pois o poeta

                  está morto.


Diana Pilatti


* * *


tempo


qualquer alegoria elíptica

é insuficiente para desenhá-lo


giros

órbitas

rugas

ponteiros

temporargênteas

uma foto 3×4

migalhas


me inundo da fuligem que entra pela janela

é frio

e me detenho

já que não posso detê-lo

tempo

essa fera

que me mastiga

e rói

até os ossos


Diana Pilatti


* * *


nunca estou


nunca estou

além da fronteira e aqui

mente verso

 

anáfora – sou o lá

na cantiga ausente


quem sabe alí

quântica outra


me falto

sou lapso


a fuga

talvez aí


descoordenada

fora do compasso

você sabe

o mesmo traço

nômade de si.


Diana Pilatti


* * *


O muro


há no muro uma beleza de vão

uma beleza de fresta


há no muro um tempo lento

meio

musgo

meio

caramujo

cara

muro

concha

musgo…


e vão

convite

no muro

da curiosidade palpite|a|nte o peito

absurdo

em querer espiar       | e n t r e |

aqui e aí

no vão do muro

no muro em vão

na fresta bela |o|tempo |a|era

ecoando no verso

lento

em vão

no muro

e se há beleza mesmo

espero

espio

o outro lado

invento…


Diana Pilatti


* * *


desejo


a que veio o poema?


nada ambiciona

além do desejo

único

de ser lido

 

vibra

ainda rascunho


cintila

a cada palavra a limpo


mas oculto

o poema

fenece

míngua

enlouquece


Diana Pilatti


* * *


cuspe


um poeta amarelo

escorado no ponto de ônibus

mastiga a palavra ardida de estrela

cospe um verso

e o asfalto árido cristaliza num poema rançoso

- tempos difíceis

afirma para si mesmo

desdenhando da vida ferina:

- já levou minha graça

meu silêncio

e agora minha poesia

esta de chorume noturno

asco na boca perolada das musas

no bucho do nada

eu poeta

abandono e manhã

cuspirei orvalho na cara do dia

pois teimo

e teimo

abro o peito

para escorrer

livre

uma última poesia


Diana Pilatti



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