Poema Ansiedade sob a lupa de Mariana Belize



Em maio de 2020, o poema Ansiedade, do livro Palavras Avulsas, esteve sob a lupa do Projeto Olho de Belize. Confiram a anĆ”lise deste poema, por Mariana Belize. 

 

Poema na Lupa #1: Ansiedade, de Diana Pilatti

por Mariana Belize

O poema escolhido para estar no Poema na Lupa #1 é Ansiedade, da obra Palavras Avulsas, de Diana Pilatti. A autora nascida em Foz do Iguaçu, é formada em Letras e professora da rede estadual de ensino em Campo Grande (MS) desde 2007. Publica seus poemas no blog Pré-livre dianapilatti.blogspot.com. Foi publicada na Coleção I Mulherio das Letras com outras poetas como Lyanna Alisse, Teca Mascarenhas, Maria Teresa, Rita Lages, Luciana Bento, entre outras.


Vamos ao poema.


ansiedade


mil vozes

murmuram aqui dentro

gritam

debatem

num ruflar de mil pƔssaros

cativos

seus pequenos pulmƵes que nunca dantes respiraram o ar pesado do cƔrcere sufocam ao bater apressado de seus fortes coraƧƵes numa cadeia de explosƵes

falta-me ar

a palavra amordaƧada

Ć© a justa rima que falta.


Diana Pilatti


ComentƔrio do Olho de Belize

Neste poema do livro, hĆ” uma ideia que estĆ” presente no todo desta obra de Diana: a noção de que escrever Ć©, de alguma forma, encarcerar as ideias e, por consequĆŖncia, a Poesia. A imagem do “ruflar de mil pĆ”ssaros” parece remeter Ć s letras que, no papel fixadas, fixam tambĆ©m mil conceitos, ideias, noƧƵes, o que traz ao eu-lĆ­rico essa dissonĆ¢ncia entre as vozes que ele demarca desde o inĆ­cio do poema.

Lembrando que os pĆ”ssaros do poema estĆ£o cativos, mas permanecem vivos mesmo com “pequenos pulmƵes”. Aqui hĆ” certos condicionais aos coraƧƵes e pulmƵes destes pĆ”ssaros: “seus pequenos pulmƵes que nunca/ dantes respiraram o ar pesado do cĆ”rcere sufocam” e “ao bater apressado de seus fortes coraƧƵes numa cadeia/ de explosƵes”. Mesmo com a aparĆŖncia frĆ”gil, as palavras tem fĆ“lego mesmo no cĆ”rcere da letra, ou seja, podem ainda reverberar – desde que faladas. A ausĆŖncia de vĆ­rgulas que acelera o mecanismo da leitura tornando-a ofegante Ć© tambĆ©m de um belo impacto.

Em “falta-me o ar”, o eu-lĆ­rico se irmana aos pĆ”ssaros, torna-se assim tambĆ©m uma palavra que deseja voar, o eu-lĆ­rico transgride o cĆ”rcere e se impƵe ao poeta em oposta posição. O poeta deseja a liberdade e escreve sobre o cĆ”rcere; o eu-lĆ­rico deseja a liberdade e denuncia a construção do cĆ”rcere pelo poeta que costura as palavras no papel, tornando-as intactas e tangĆ­veis – pĆ”ssaros que saem da liberdade de serem sons para se tornaram escrita imutĆ”vel.

Em “a palavra amordaƧada/ Ć© a justa rima que falta.” tem-se diversos elementos a se notar: se lermos pausadamente, a palavra “amor” dentro de “amordaƧada” tambĆ©m carrega em diversos poemas quando Ć© tema, a dialĆ©tica entre liberdade e cĆ”rcere. Um exemplo clĆ”ssico estĆ” em CamƵes lĆ” no fim o eu-lĆ­rico do soneto “Amor Ć© fogo que arde sem se ver” vai dizer: Ɖ querer estar preso por vontade;/ Ć© servir a quem vence, o vencedor;/ Ć© ter com quem nos mata, lealdade.” Dentro da palavra “amordaƧada” estĆ” portanto viva (ainda que encarcerada) essa noção paradoxal que o eu-lĆ­rico demonstra nos versos entre liberdade e prisĆ£o;

Continuando… “a palavra amordaƧada/ Ć© a justa rima que falta.” Aqui teremos o embate entre duas ausĆŖncias: a da palavra que estĆ” presa e mais, com uma mordaƧa, ou seja, quer falar e estĆ” impedida – essa Ć© uma ideia corrente por todo o livro. A segunda noção que encontramos Ć© a da “justa rima que falta” e que só poderia estar presente, se a palavra estivesse livre. Ou seja, o verso livre, sem rimas, se poderia passar a ideia de liberdade, no poema traz o aspecto oposto, o cĆ”rcere. A rima ausente  Ć© uma lacuna impreenchĆ­vel por conta da mordaƧa na palavra. E assim, ao colocar o ponto final – do poema – o eu-lĆ­rico estabelece seu silĆŖncio nĆ£o apenas como lacuna – mas como desejo de liberdade da palavra. A rima que jĆ” foi cĆ”rcere clĆ”ssico, hoje Ć© lacuna.

As referências presentes na obra, entre homenagens e diÔlogos com outros poetas, trazem para o livro não só suas presenças, mas também apontam os caminhos que Diana traçou, em consonância ou oposição, para seus próprios versos. Nomes como Drummond, Fernando Pessoa, Leminski, Kafka, aparecem durante a leitura e situam o leitor no universo da obra. No livro figuram haikais, além de poemas que buscam uma síntese desde que isso não comprometa a multiplicidade de camadas de leitura. São versos que, justamente pela sintetização de imagens, sons e referências, acabam por ampliar seu foco e justapÓr paradoxos de maneira muito criativa e inventiva.


Mariana Belize

Mestra em Literatura Brasileira pelo Programa de Letras vernĆ”culas da UFRJ. Formada em Letras - LĆ­ngua Portuguesa/ Literaturas - da UFRRJ – Nova IguaƧu Escreve resenhas crĆ­ticas com base nos seus estudos de CrĆ­tica e Teoria LiterĆ”ria com base na EstĆ©tica da Recepção e estudos sobre a relação entre arte e vida.


Leia este texto diretamente no site do Projeto Olho de Belize, clicando aqui

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