Prefácio do livro Palavras Diáfanas, por Tânia Souza


Prefácio escrito por Tânia Souza para o meu terceiro livro Palavras Diáfanas, publicado pela Editora Patuá, em 2021. 


Palavras Diáfanas é um livro sobre o amor. Mas, a imensidão destes poemas não permite que tenhamos só um olhar. É também um livro sobre o tempo, o sonho, o feminino, o transcendente. Poemas envoltos no entre que habita o sagrado e o profano, o delírio e o devaneio. E sim, um livro sobre o amor. Amor carregado de luminosidade e transparências. Palavras que se encontram entre águas, relva e visgo; logo ao alcance das estrelas, tão belas e constantes nesta poética.

No que ouso chamar de tríade da palavra, este é o terceiro livro de Diana Pilatti. Porém, não duvido que a autora nos presenteia ainda com outras Palavras, dado que sua escrita inquieta e envolvente não se prende a temas, mas tem na palavra e suas inconstâncias, matéria primordial.

Em seu primeiro livro, Palavras Avulsas, o processo criativo encontrou na poesia e na metalinguagem o tema principal, retomado em tantos outros escritos de Diana. Em Palavras Póstumas, sua segunda publicação, a palavra se apresenta carregada de dores, denunciando a violência contra a mulher; o feminicídio, a trajetória do silenciamento e das injustiças. E, por fim, eis que surgem de sua tecitura poética os poemas que constroem estas Palavras Diáfanas.

 

“No princípio era o Caos

Então pari uma palavra

insuportável impronunciável

num verso de Solidão”

 

Com alegria, muita admiração, espanto e ternura que escrevo sobre estas Palavras Diáfanas. Com versos de uma sensualidade leve e envolvente, a poeta revela que sim, mesmo em tempos duros, é preciso cantar sobre o amor e a saudade. Explico, então, a minha escolha pela palavra espanto: em cada verso, a leitura nos permite desvendar e conhecer as faces e as fases de um eu-poético com o qual percorremos as horas, os dias, os meses. Entre a ausência e a presença de um amor que nos parece ora real, ora inventado, caminhamos.

 

            “Assumo que te inventei

              às três

              e teus cabelos ainda eram negros

              como as minhas madrugadas”

 

Todavia, não nos deixemos enganar: a palavra é raiz e consistência no fazer poético de Diana, pois no tempo-deságue /palavra não fecha /abre” e tal qual um palco, vemos as cortinas se entreabrirem a cada carta.

Carta de janeiro, carta de fevereiro... as cartas surgem a cada mês; missivas que revelam um amor que é imaginado, inventado, amor que é físico, é corpo, é paixão; amor que é dor, separação... amor que é apenas amor.

Mas este não é um livro somente de cartas. Como já disse, as cartas parecem abrir as frestas para um mergulho mais intenso aos universos poéticos de Diana. As sensações físicas, o frio, o calor, o verão. Os dias conturbados entre filas, urbe, asfalto e calor contrastam com a imensidão do cosmos, deidades, seres mitológicos se apresentam em poemas intimistas e passionais, minimalistas ou mais próximos ao concretismo.

 

“sobe

labareda úmida

atreve-se

flancos pardos

incendeia lenta

nude

terracotauréolas

prece bendita

no meu verso torpe”

 

Entre os meses e as cartas, poemas diversos revelam paisagens, sentimentos; as mudanças das estações e das incertezas do próprio eu-poético, que pode questionar até a própria existência

 

“com a curiosidade de uma menina ante teus segredos de silêncios

e a sede da loba que corre noturna-colina

 

– te inventei?

 

e me olharias

entre o espanto e a ternura

na conclusão calada

que sou eu

em verdade

teu próprio delírio”

 

As cartas, misteriosas a princípio, como na carta de janeiro quando, “na fresta das horas /germina /aflita /uma poesia” e o poema que escorre “um pouco doce /um pouco ácido” se faz presente na ausência do amado, em outros meses se tornam mais íntimas, claras. Na carta de abril, “um bem-te-vi canta /para acordar o dia” para algumas páginas após, ouvirmos que “ao longe, alguém toca Cello Suite 1 e chove”. Os processos sinestésicos ganham tons riquíssimos na poética de Diana Pilatti.

Na carta de junho, o eu-poético compartilha-nos o aconchego de sua intimidade, pois lá fora

 

“já é inverno

meu querido amigo

lá fora

a água congela o tempo

estalactite cristalina

no beiral da sua ausência

 

aqui dentro

vez e outra

a lenha no fogo

trinca

o silêncio vítreo

que ornamento

 

um filete de lua

desacortina a noite”

 

O destinatário pode estar oculto ou claramente identificado: Órion, Cavaleiro da Lua, Dionísio, são nomes alguns dos nomes deste poeta amado.

A escolha de Diana Pilatti pelo gênero epistolar pode parecer um retorno ao antigo, mas é uma bela surpresa. Em alguns momentos, encontramos ecos das cantigas de amigo, nos versos dedicados ao amado ausente. Em outros, como nas cartas destinadas ao Tempo e à Loucura, há tentativa da poeta em organizar o caos e a complexidade do espaço entre lucidez e delírio.

Não só escreve suas cartas entre os meses e as estações do ano. A solidão das horas e das palavras se expande quando percebemos as ressonâncias da voz do poeta-amado e, entre as cartas, surge uma segunda voz, como nos versos dedicados à Hedonê, senhora das flores.

 
“os girassóis também me esperam

e quando nós

sóis

suor

e visgo de estrelas

giraluas

 

e nosso riso

atrai a noite

e nos envolve em silêncio de grilos”

 

Estas palavras são de fato diáfanas, submersas em águas límpidas, translúcidas, atravessam tempos imemoriais e rutilam entre estrelas. Nos versos marcados pelos resquícios da poesia corisca de Hilst, brevidades de Pizarnik, caminhos de Bilac, ao término desse livro, talvez você se flagre esperando girassóis e, entre alinhavos e contradições, reencontre-se consigo mesmo e, principalmente, com o amor.

 

Tânia Souza 


Para ler alguns poemas deste livro clique aqui, ou aqui para comprá-lo no site da Editora Patuá. 



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