Como eu escrevo


 

Entrevista publicada no dia 12 de janeiro de 2021, no site Como eu escrevo, espaƧo criado por JosĆ© Nunes para divulgar a rotina de escrita dos nosso autores preferidos.  

Confira a entrevista a seguir:


Como vocĆŖ comeƧa o seu dia? VocĆŖ tem uma rotina matinal?

AlĆ©m de escrever, eu trabalho em uma escola estadual aqui perto de casa, entĆ£o acordo Ć s seis, me apronto rapidamente e vou para o trabalho. A escola tem suas demandas e prazos, alĆ©m de vĆ”rios incĆŖndios para apagar todos os dias.

Finais de semana e agora nas fĆ©rias, me permito levantar um pouco mais tarde, tomam um banho lento, beber um cafezinho preguiƧoso… Deste ponto em diante, a ordem das atividades pode variar de acordo com as prioridades do dia.


Em que hora do dia vocĆŖ sente que trabalha melhor? VocĆŖ tem algum ritual de preparaĆ§Ć£o para a escrita?

Sempre me sinto melhor para escrever no final da tarde e Ć  noite. Poucas vezes consegui escrever de manhĆ£, a menos que tenha acordado muito cedo e cumprido outras obrigaƧƵes, ou tenha deixado um texto quase pronto, faltando apenas fazer revisĆ£o no outro dia.

NĆ£o faƧo grandes rituais, prefiro o silĆŖncio e algo gostoso para beber. Tenho medo de acabar deixando o ato de escrever mais burocrĆ”tico do que prazeroso.


VocĆŖ escreve um pouco todos os dias ou em perĆ­odos concentrados? VocĆŖ tem uma meta de escrita diĆ”ria?

Nem sempre me sinto bem para escrever. HĆ” dias em que me sinto exausta a ponto de sĆ³ querer ficar sentada no sofĆ” olhando para o nada.

Procuro aproveitar ao mĆ”ximo quando estou bem disposta e inspirada. Gostaria de ser mais disciplinada e escrever um pouco cada dia (e quem nĆ£o quer?), mas tambĆ©m preciso respeitar os momentos que meu corpo e minha mente pedem para parar. Caso contrĆ”rio, escrever se tornaria mais uma obrigatoriedade na minha vida.

Mesmo assim, me prometi publicar pelo menos um livro por ano e sigo tentando nĆ£o quebrar essa promessa.


Como Ć© o seu processo de escrita? Uma vez que vocĆŖ compilou notas suficientes, Ć© difĆ­cil comeƧar? Como vocĆŖ se move da pesquisa para a escrita?

Para meu Ćŗltimo livro, me propus escrever poemas que tratassem de um tema sensĆ­vel e urgente: a violĆŖncia contra mulher.

Numa sociedade machista como a nossa, Ć© impossĆ­vel encontrar alguma mulher que nĆ£o tenha sofrido algum tipo de violĆŖncia, seja verbal, psicolĆ³gica ou fĆ­sica. E se somarmos ao machismo outros problemas sociais, a violĆŖncia de torna maior contra mulheres pretas, pobres, com baixa ou nenhuma escolaridade.

No livro “Palavras PĆ³stumas”, lemos a dor diĆ”ria de uma mulher sem nome, torturada fĆ­sica e psicologicamente, com autoestima destruĆ­da a ponto de nĆ£o conseguir se defender por vergonha, culpa e medo.

Eu jĆ” tinha alguns poemas escritos sobre esse tema, mas nĆ£o em quantidade suficiente para um livro. EntĆ£o, comecei a pesquisar depoimentos de mulheres vĆ­timas de violĆŖncia cometida por seus parceiros. Eu queria entrevistar essas mulheres, olhar em seus olhos, ouvir suas histĆ³rias, mas a pandemia jĆ” havia comeƧado, entĆ£o me concentrei em vĆ­deos e Ć”udios disponĆ­veis na internet (e Ć© triste constatar que sĆ£o muitos).

Foram muitas anotaƧƵes, separadas por tipo de violĆŖncia, local, trauma. Feita essa parte de pesquisa e organizaĆ§Ć£o das anotaƧƵes, a escrita flui – nĆ£o posso dizer que seja fĆ”cil, mas Ć© importante jĆ” ter um esquema da sequĆŖncia do livro que se pretende escrever.


Como vocĆŖ lida com as travas da escrita, como a procrastinaĆ§Ć£o, o medo de nĆ£o corresponder Ć s expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

Quando quero escrever e nĆ£o tenho ideias, ler Ć© a melhor fonte de inspiraĆ§Ć£o. Bons livros sĆ£o farĆ³is para quem estĆ” Ć  deriva. Eu gosto muito de poesia e comecei a ler mais mulheres (nĆ£o sĆ³ poetas celebradas, mas poetas do nosso tempo, vivas) e isso me ajudou muito, para alĆ©m do ato de escrever: sinto que me conecto com essas mulheres quando leio seus textos, me identifico com elas por sentirmos as mesmas angĆŗstias, e a solidĆ£o que carrego aqui dentro vai ficando mais leve… E quando uma delas responde algum comentĆ”rio meu nas redes sociais? Uau! Ɖ muito bom. Risos.

Quanto Ć  procrastinaĆ§Ć£o, assumo que Ć© uma luta. Uma tortura, na verdade. Fazer listas de prioridades me ajuda, intercalar coisas mais prazerosas com menos prazerosas, funciona Ć s vezes. Mas sendo bem franca, tomar um banho gelado, chorar um pouco no chuveiro e preparar outro cafĆ©, exatamente nessa ordem, tem surtido mais resultados.

O medo de nĆ£o corresponder Ć s expectativas jĆ” foi maior em mim. A sociedade nos cobra tanto, mas sempre fui meio rebelde em relaĆ§Ć£o a essas regras e imposiƧƵes. EntĆ£o, a princĆ­pio, quero escrever para me sentir bem comigo mesma, depois penso no pĆŗblico. Poesia Ć© sentimento. Busco sempre responder Ć  pergunta “Quais emoƧƵes quero despertar no leitor?”. Lembrando que um poema nĆ£o Ć©, obrigatoriamente, algo que nos desperta um sentimento belo e de satisfaĆ§Ć£o. Um poema pode nos indignar, enojar, incomodar…


Quantas vezes vocĆŖ revisa seus textos antes de sentir que eles estĆ£o prontos? VocĆŖ mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicĆ”-los?

Dependendo do texto, reviso vĆ”rias vezes. Leio em voz alta. Gravo minha prĆ³pria leitura. OuƧo.  Deixo o texto “marinando” por uns dias. Retomo.

Tenho alguns bons amigos que leem meus textos sempre que peƧo. E quando digo “bons amigos”, nĆ£o me refiro aos que elogiam. Eles tem liberdade para dar sugestƵes, propor correƧƵes e atĆ© mesmo dizer “Olha, Diana, isso aqui nĆ£o tem pĆ© nem cabeƧa!”. Risos. Esses sĆ£o os melhor amigos de uma escritora.


Como Ć© sua relaĆ§Ć£o com a tecnologia? VocĆŖ escreve seus primeiros rascunhos Ć  mĆ£o ou no computador?

Eu e a tecnologia mantemos uma relaĆ§Ć£o amistosa. Escrevo no computador ou no celular, salvo no drive online ou (me)envio por e-mail. Mas tambĆ©m gosto de escrever a lĆ”pis. Sabe aquele barulhinho que o grafite faz no papel? Ɖ um dos meus sons preferidos, dĆ” uma sensaĆ§Ć£o tĆ£o boa quanto o barulho da chuva Ć  noite bem na hora de dormir.

TambƩm compro cadernetas para levar na bolsa ou na mochila e anotar uma ideia ou registrar algo interessante. Como gosto de poesia minimalista, os poemas se acomodam bem nas pequenas folhas. Deixo os poemas maiores para o bloco de notas do celular.


De onde vĆŖm suas ideias? HĆ” um conjunto de hĆ”bitos que vocĆŖ cultiva para se manter criativa?

Acredito que a mente precisa de estĆ­mulos. Ler bons livros, ouvir mĆŗsica, um bom filme, ir ao museu apreciar obras de arte e conversar com outras pessoas sobre arte, sĆ£o coisas estimulantes para mim. Uma boa ideia pode vir desse encontro. Nem sempre Ć© de imediato, o cĆ©rebro demora um tempo para processar as informaƧƵes, entĆ£o Ć© importante, por exemplo, dar um intervalo entre as leituras. NĆ£o hĆ” necessidade de emendar um livro no outro. Uma boa ideia pode surgir enquanto se estĆ” no trĆ¢nsito esperando o sinal verde ou no meio do banho com o cabelo cheio de espuma: Ć© nosso cĆ©rebro fazendo as ligaƧƵes e nos apresentando uma ideia nova.


O que vocĆŖ acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que vocĆŖ diria a si mesma se pudesse voltar Ć  escrita de seus primeiros textos?

Eu percebo que mudei bastante com o passar do tempo. Um pouco devido Ć s leituras e outro tanto pela maturidade – jĆ” ultrapassei as 40 primaveras e isso faz muita diferenƧa na maneira como nos vemos e sentimos o mundo ao nosso redor.

Existe um marco na minha vida literĆ”ria: Hilda Hilst. Ler a poesia de Hilda mudou algo aqui dentro que nĆ£o sei explicar. Um amor sem medida. Eu digo sempre que minha vida se divide em antes e depois de Hilda. Estou com o Box da prosa fechado aqui na estante, ainda nĆ£o comecei, pois sei que serĆ” outro encontro fabuloso e, ao final, serei outra…

Meu processo de escrita tambƩm mudou depois que ingressei no Coletivo Mulherio das Letras, no qual encontrei escritoras fantƔsticas e com elas tenho aprendido muito!

E nĆ£o sei se quero voltar no tempo e me dar conselhos. Risos. Precisamos errar. Cair. Quebrar a cara. Ɖ duro, mas sĆ³ assim amadurecemos. Mas por muito tempo deixei meus textos na gaveta, sĆ³ para mim. EntĆ£o, esse seria um conselho que a Diana de hoje daria Ć  Diana de ontem: Mostre-se!


Que projeto vocĆŖ gostaria de fazer, mas ainda nĆ£o comeƧou? Que livro vocĆŖ gostaria de ler e ele ainda nĆ£o existe?

Acho difĆ­cil pensar em um livro que ainda nĆ£o existe. Quando eu penso em todos os livros que gostaria de ler, sinto que uma Ćŗnica vida nĆ£o seria suficiente… Mas uma coisa Ć© certa, quando o texto Ć© bom, ele nos faz reclinar o livro lentamente, olhar para cima e viajar para dentro de si. Citando minha musa Hilda Hilst “se for perfeito, te alimenta para toda a vida”.

Gosto de poemas de cunho social ou poesia de protesto, como algumas pessoas chamam. Meu Ćŗltimo livro segue por esse caminho.

TambƩm gosto poemas curtos, leves e ao mesmo tempo profundos. Se tudo correr bem, em 2021 publicarei um livro com haicais, este Ʃ um projeto em andamento.

Sobre o livro que nem comecei, certamente Ć© um livro de poemas erĆ³ticos. Ele estĆ” aqui dentro, amadurecendo, ensaiando alguma coreografia sensual antes de sair e deixar a Poesia Ć  mostra.


Leia a entrevista direto no site Como eu escrevo, clicando neste link.

Obrigada JosƩ Nunes pelo convite.

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