Três poemas para Manoel de Barros


Estes poemas foram escritos no final de 2019, em comemoração ao 102º aniversário de nascimento do poeta Manoel de Barros, em 19 de dezembro de 1916. Originalmente, fariam parte de uma coletânea de autores sul-mato-grossenses, cujo lançamento seria ao final daquele ano. Com o cancelamento da coletânea, os poemas foram publicados na Revista Barbante, em 31 de dezembro de 2019. 

Como exercício poético, me propus a escrever ao "Estilo Manoel de Barros", experiência que me trouxe grande aprendizado.



Com palavras se podem multiplicar os silêncios.

Manoel de Barros


Na palavra posso tudo,

crio e recrio poesia:

caracol tem dom de nuvem,

girassol quer vaga-lume,

e no olho da garça brota o dia.


No arrebol da palavra

nasce o silêncio

e a vitória-régia segue nua

rainha da noite

branca de lua.


No verso

rio e serra.

Na rima

a cigarra cala.

E no hálito do peixe

um ipê amarelo lambe a primavera.


Diana Pilatti


* * *


Tudo é matéria de poesia.

Manoel de Barros 


a palavra adoece o poeta

febril desrima

e jaz poesia


decompõe sua essência

descoisa

e desexplica a vida


pega outra palavra

estica entorta torce

na entrelinha descobre

a palavra-desserventia


Diana Pilatti


* * *


Deixei uma ave me amanhecer.

Manoel de Barros


Manoel acordou cedo.

Foi até o portão

e pregou o letreiro

pintado a dedo:

Aceita-se entulho para o poema.


As pessoas do Branco vilarejo,

riam dele:

- Velho louco,

bebeu tantas palavras

que não dá conta do desassossego!


Manoel nem aí.

Sabia da entrelinha das coisas:

- Tudo é matéria para poesia 

e cuidado onde pisa!

Era o que sempre dizia.


Chegava sorridente,

lá pelo meio-dia,

na bolsa de estopa suas relíquias:

Uma lata com gotas de sol,

Duas cascas de cigarra beijadas de orvalho,

Uma concha brilhando visgo e lesma

e muitas outras coisas passarinhais.


Assim Manoel seguia

seu sacerdócio ou profética sina

de arrancar de dentro do nada

a mais bela poesia.


Diana Pilatti



Poemas publicados originalmente na Revista Barbante Ano VII nº 29, de 31 de dezembro de 2019, páginas 168 até 171.

ISSN 2238-1414

Clique aqui para ler a revista completa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Instagram