Entrevista que concedi Ć poeta Raquel Medina, publicada na Revista PiĆŗna, volume 2 nĀŗ 3, em marƧo de 2021.
Quando vocĆŖ comeƧou escrever? E como foram os seus primeiros contatos com a escrita poĆ©tica?
Meu primeiro contato com a poesia foi na escola. CecĆlia Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Manoel Bandeira, poetas jĆ” celebrados e frequentes nos livros didĆ”ticos.
Mas eu lembro do primeiro texto que escrevi: foi o primeiro capĆtulo de um romance policial. Risos. Eu sempre gostei desse gĆŖnero detetivesco. Eu tinha 15 anos. E plena consciĆŖncia de que precisava estudar muito atĆ© escrever bons textos, entĆ£o deixei a escrita de lado por muito tempo, salvo um escrito tĆmido aqui e outro ali, e ainda naquela Ć©poca me fiz a promessa de publicar um livro. Por volta de 2008, comecei a escrever muita poesia, mas escrevia pra minha gaveta, postava alguns na internet, depois de beber muita coragem. Somente em 2016 que comecei a me dedicar ao exercĆcio poĆ©tico com mais compromisso, afinal eu tinha uma promessa para cumprir ainda nesta vida...O primeiro livro veio aos 40 anos, quando renovei meus votos: nunca mais deixar a poesia de lado.
Na sua produĆ§Ć£o predomina a escrita de Poesia. HĆ” alguma razĆ£o especĆfica para isso?
Mesmo que um texto em prosa possa ser carregado de poeticidade, eu me identifico mais com o poema. Ć tĆ£o automĆ”tico que, nos meus dois primeiros livros fui escrever um prefĆ”cio e saiu outro poema. Risos. Escrever Ć© uma necessidade, se fico muito tempo sem colocar algo no papel me sinto mal, falta alguma coisa... O escritor Armando Liguori tem um livro chamado “A poesia estĆ” em tudo” e eu sempre acreditei nisso, mesmo antes de conhecĆŖ-lo. Gosto de apreciar as pequenas belezas, procurar a boniteza das coisas nos lugares mais improvĆ”veis. Busco aprimorar sentidos para nĆ£o deixar a poesia escapar de mim. Desde o orvalho da manhĆ£ atĆ© o grito de protesto na rua.
VocĆŖ tem dois livros publicados, alĆ©m de participaƧƵes em revistas e coletĆ¢neas. Poderia falar um pouco sobre esses trabalhos?
De 2018 pra cĆ”, comecei a participar de coletĆ¢neas e revistas literĆ”rias, alĆ©m de exercitar muito a escrita, buscando minha prĆ³pria identidade. Em 2019, publiquei meu primeiro livro “Palavras Avulsas”, volume 5 da I ColeĆ§Ć£o de Livros de Bolsa do Mulherio das Letras – falamos que Ć© livro de “bolsa” e nĆ£o de bolso, pois sĆ£o livros escritos por mulheres. O Mulherio das Letras Ć© um coletivo literĆ”rio feminista que surgiu com o objetivo divulgar e publicar mulheres, movimetnando a cadeia criativa e produtiva do livro, ou seja, alĆ©m de escritoras e editoras, ao mulherio sĆ£o bem-vindas ilustradoras, tradutoras, diagramadoras, livreiras, revisoras e pesquisadoras. Em 2020, mesmo em meio ao caos pandĆŖmico, tive duas grandes alegrias: ver a I ColeĆ§Ć£o finalista do PrĆŖmio Jabuti de Literatura e publicar meu segundo livro “Palavras PĆ³stumas”, volume 7 da II ColeĆ§Ć£o de Livros de Bolsa do Mulherio das Letras, com poemas que tratam sobre um tema urgente e dolorido: a violĆŖncia contra a mulher – gosto da poesia de cunho social, nĆ£o acredito que o poema exista somente para despertar em nĆ³s o belo e sentimentos prazerosos, mas tambĆ©m a raiva, o nojo ou empatia.
Como recebeu a notĆcia da indicaĆ§Ć£o ao PrĆŖmio Jabuti de Literatura?
Lembro que estava no trabalho, numa correia burocrĆ”tica – alĆ©m de escrever poesia eu trabalho em uma escola pĆŗblica estadual aqui perto de casa. O celular comeƧou a vibrar avisando que chegavam vĆ”rias mensagens, eram felicitaƧƵes. Foi uma alegria surreal saber que, entre tantos inscritos, a I ColeĆ§Ć£o de Livros de Bolsa do Mulherio das Letras estava entre os dez melhores na categoria InovaĆ§Ć£o: Fomento Ć leitura. E eu estava lĆ”! Fiz parte deste sonho. Esta indicaĆ§Ć£o evidencia a forƧa dos coletivos literĆ”rios e a importĆ¢ncia das mulheres lutarem por seu espaƧo na indĆŗstria do livro. Muitas mulheres estĆ£o escrevendo com excelĆŖncia, e parafraseando a poeta Eva Vilma “na literatura, por muito tempo as mulheres foram descritas pelos/e ao gosto dos homens, agora as mulheres contarĆ£o suas prĆ³prias histĆ³rias a sua maneira”, precisamos dar voz e vez a elas.
Seu livro "Palavras Avulsas”, volume 5 da I ColeĆ§Ć£o de Livros de Bolsa do Mulherio das Letras, finalista do PrĆŖmio Jabuti, foi escrito especialmente para o projeto? Como seu deu o processo de elaboraĆ§Ć£o dessa obra?
No Mulherio das Letras usamos as redes sociais como nosso maior canal para comunicaĆ§Ć£o e divulgaĆ§Ć£o de projetos. Foi lĆ” que conheci a proposta da Karine Bassi, escritora e editora/proprietĆ”ria da Venas Abiertas. A ideia de fazer uma coleĆ§Ć£o de livros escritos por mulheres era uma proposta inovadora para mim, eu sĆ³ tinha visto coleƧƵes assim de escritores celebrados, clĆ”ssicos da literatura. O projeto da coleĆ§Ć£o somado Ć proposta da Venas Abiertas, de ser uma editora popular, de valorizar a escrita feminina e oferecer serviƧos com preƧos acessĆveis, tambĆ©m chamou minha atenĆ§Ć£o. Topei o desafio. PorĆ©m, o prazo para envio nĆ£o era grande para comeƧar um livro do zero. EntĆ£o fui buscando poemas e esboƧos que jĆ” tinha no meu acervo para compor o livro. A poesia Ć© um exercĆcio frequente pra mim, tento escrever todos os dias, embora nĆ£o consiga estabelecer uma rotina rigorosa pois tambĆ©m tenho outras atividades. Vou escrevendo e organizando os arquivos por tema, estilo, data. Um dos meus temas mais recorrentes Ć© a metalinguagem, que eu gosto de chamar de “metapoesia”: a poesia que fala dela mesma, que fala do verso, da rima, da palavra... EntĆ£o fui selecionando dentro desse tema metalinguagem os poemas para o livro. Por isso “Palavras Avulsas”, pois Ć© realmente composto de poemas que originalmente foram construĆdos separados, mas depois unidos pelo mote que determinei naquela Ć©poca. Diferente do livro “Palavras PĆ³stumas”, que foi escrito especialmente para compor a II ColeĆ§Ć£o, tendo poucos poemas avulsos incorporados a ele durante sua elaboraĆ§Ć£o.
AlĆ©m do Coletivo Mulherio das Letras, vocĆŖ faz parte de outros grupos literĆ”rios?
NĆ£o sei se poderia chamar de grupo literĆ”rio, estĆ” mais para um grupo de amigos apaixonados pelo Poetrix.
Poetrix Ć© um poema minimalista criado pelo poeta baiano Goulart Gomes em 1999 e Ć©, em resumo, composto por um terceto com tĆtulo, cujos temas podem ser os mais diversos. Dentro deste grupo, fazemos exercĆcios periĆ³dicos chamados Cirandas, que consistem em escrever poemas a partir de um tema especĆfico, sugerido pelos membros do prĆ³prio grupo. Junto com o poeta JosĆ© de Castro (Parnamirim/RN) organizo a Mostra Poetrix, uma coletĆ¢nea digital semestral que divulga o poetrix e seus autores. Em marƧo de 2021, lanƧaremos nosso terceiro livro.
Quais sĆ£o seus projetos atuais, tem algum livro em andamento?
Ano passado concluĆ um livro de poemas que foi batizado de “Palavras DiĆ”fanas”. Gosto de dizer que foi batizado, porque TĆ¢nia Souza, que tambĆ©m Ć© escritora e mora aqui em Campo Grande, me ajudou a escolher esse nome. Risos. Encaminhei para uma editora e espero que saia este ano (se a pandemia deixar). Em 2021, tambĆ©m teremos a III ColeĆ§Ć£o de Livros de Bolsa do Mulherio das Letras e quero participar com um livro de haicais e poemas curtos. Estou firmando uma parceria com uma artista aqui da cidade para algumas ilustraƧƵes. Quero que o livro mostre um pouco da nossa regiĆ£o e brinco dizendo que serĆ£o “haicais pantaneiros”, nĆ£o teremos BashĆ“ e sua famosa rĆ£ mergulhando no lago tranquilo, mas poderemos ter uma garƧa num espelho d’Ć”gua ou quem sabe um jacarĆ© bebendo um gole de sol...
No que se refere a seus livros: "Palavras Avulsas” (2019), “Palavras PĆ³stumas” (2020) e o prĆ³ximo “Palavras DiĆ”fanas”, percebe-se similaridade nos tĆtulos. HĆ” alguma temĆ”tica comum entre essas obras?
NĆ£o, sĆ£o livros bem distintos, desde sua elaboraĆ§Ć£o, tema e estrutura. O primeiro livro sĆ£o poemas curtos, em sua maioria tercetos, que tratam sobre a metalinguagem, entĆ£o o eu-lĆrico Ć© a prĆ³pria Poesia falando com o leitor. No segundo, apesar de tambĆ©m serem poemas curtos, ultrapassam o limite do terceto, e a voz que nos fala no poema Ć© feminina, vĆtima de violĆŖncia dentro de sua prĆ³pria casa. No terceiro livro que virĆ” ainda, nĆ£o serĆ” um livro de bolso e nos apresentarĆ” poemas mais longos, cujo eu-lĆrico feminino dialoga com um amigo-amor ora presente, ora ausente, e sĆ£o poemas que falam sobre saudade e desejo... Em suma, sĆ£o livros bem diferentes, mas os tĆtulos semelhantes me agradam, por estabelecerem um diĆ”logo entre estas diferenƧas. Pensando no universo feminino: somos muitas e ao mesmo tempo uma sĆ³.
Quais sĆ£o suas referĆŖncias na literatura contemporĆ¢nea brasileira escrita por mulheres?
Eu sempre digo que minha vida literĆ”ria de divide em antes e depois de conhecer Hilda Hilst. A poesia hilstiana fala muito comigo, de uma forma que nĆ£o sei explicar bem, sĆ³ sei que nunca mais fui a mesma...
No Ćŗltimo ano me propus a ler mais mulheres e conheci autoras fantĆ”sticas. A escrita da mulher brasileira Ć© bem diversificada, nĆ£o sĆ³ pela cultura, mas por sua maneira de ver o mundo sua volta e experiĆŖncias de vida. EntĆ£o (sem uma ordem de preferĆŖncia), Juba Maria, Maria Fernanda Elias Maglio, Bruna Mitrato, Nina Rizzi, Sara Sinqueti, Mika Andrade, sĆ£o poetas que gosto muito. Daqui do Mato Grosso do Sul, com certeza sĆ£o as poetas Eva Vilma, com uma poesia de luta e resistĆŖncia, e TĆ¢nia Souza, com versos leves e sinestĆ©sicos, mas sem perder a forƧa feminina.
Para vocĆŖ a poesia Ć© uma forma de vida?
Eu posso afirmar com convicĆ§Ć£o que eu nĆ£o saberia viver sem Poesia. Ć impossĆvel pra mim atĆ© pensar nesse mundo distĆ³pico.
Mas infelizmente, numa sociedade como a brasileira, que valoriza muito pouco o conhecimento e a arte como um todo, eu nĆ£o posso sobreviver somente de Poesia. Quem dera! Mas os boletos nĆ£o esperam. Risos. Poetas tambĆ©m lavam, passam, cozinham, pagam contas. E como disse Ferreira Gulart “uma parte de mim pesa e pondera, outra parte delira”, eu sigo meu caminho por esse mundo perverso, com um punhado de Poesia nos bolsos e os olhos alagados de sonhos...
Clique aqui para ler a entrevista direto na pĆ”gina da Revista PiĆŗna, pĆ”gina 71 em diante.
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