Coluna Literária AIP - Outro domingo por José de Castro



Belíssimo texto escrito pelo poeta e amigo José de Castro e publicado originalmente na Coluna Literária da AIP, no dia 19 de agosto de 2023.


outro domingo

perdi a noção do tempo
é noite nos meus olhos
chove tua ausência

                                      Diana Pilatti


Conheço a poeta Diana Pilatti há bastante tempo, desde o Recanto das Letras, nos anos de 2010 mais ou menos. Desde então, vimos cultivando uma amizade significativa, principalmente em relação à troca de experiências na escrita de Poetrix e também em relação à administração de grupos de produção nesse gênero minimalista. Participamos da criação do grupo Ciranda Poetrix e, agora, administramos o grupo Selo Poetrix, com a parceria também da acadêmica Dirce Carneiro. Além disso, vimos organizando, em conjunto, algumas mostras de poemas mínimos.

A escrita de Diana Pilatti é singular e instigante da nossa imaginação. Seus poetrix sempre trazem figuras de linguagem e inquietações que deixam um campo aberto à viagem do nosso pensamento. Isso pode ser observado na poética contida em livros que já publicou até o momento, sejam de haicais, versos livres ou poetrix. A mesma sagacidade observa-se em seus grafitrix quando seus versos são enriquecidos por imagens, e até mesmo em videotrix, quando ela acrescenta movimento e som às imagens.

Nesse poetrix “Outro domingo”, a poeta começa, já pelo título, com um posicionamento crítico em relação à rotina semanal. Como se ela fizesse um desabafo: acontece mais um domingo vazio na vida de alguém, um dia a mais para sentir a ausência do ser amado.

O primeiro verso confirma a ideia de que aquele domingo tem um peso maior, pois a leva a perder a noção do tempo. Ela identifica, no calendário, um domingo cruel. E dá a entender que já aconteceu algo semelhante antes. O “outro domingo” pode ser lido também como “mais um domingo” de uma ausência que não se celebra, mas se sente.

Esse pensamento é reforçado pelo segundo verso, no qual ela traz a metáfora de olhos que anoitecem. Ela mostra que a noite não está lá fora, mas nos próprios olhos de quem sente a falta de alguém. Como se os olhos escurecessem, ficassem nublados: “é noite nos meus olhos”.

A metáfora – triste e bela ao mesmo tempo – no terceiro verso, “chove tua ausência”, pode ser indício de lágrimas que trazem a noite aos olhos. Literalmente a ausência chove.

Percebe-se uma coerência interna, ou consistência, desde o título, perpassando os três versos, cada um levantando uma determinada dimensão ou grau de emoção vivenciada.

Uma coisa interessante é que a percepção desses sentimentos aqui descritos pode nos vir desde a primeira leitura. São várias as sensações que nos atravessam e nos levam a um processo de identificação com esse alguém solitário em mais um domingo da vida.

Isso nos conduz a uma outra ilação: a significatividade das emoções que vêm ao encontro de cada um de nós a partir da leitura desse Poetrix. Significativa é aquela mensagem que encontra respaldo no repertório dos leitores; significativo é tudo aquilo que se ancora em algum fato ou situação já vividos por alguém. Não existe uma exclusividade de sentimento, mas algo que pode acontecer ou ter acontecido a qualquer um de nós, simples mortais. Quem nunca sofreu a ausência de alguém, e, mais cruel ainda, durante um fim de semana? O peso da ausência é maior nos momentos em que temos mais tempo para dividir com alguém, num domingo, principalmente, e esse alguém não está ao nosso lado.

Importante observar, mais uma vez, a capacidade de o poetrix, em tão poucas linhas, trazer à baila e despertar em nós sentimentos tão profundos de identificação com mensagens veiculadas poeticamente.

Fica-nos claro que a presença de figuras de linguagem – como as metáforas contidas nesse poetrix – tem o dom de conferir beleza e leveza para o que queremos compartilhar com os leitores. Essas figuras de linguagem evidenciam a importância de sairmos dos lugares comuns da mera descrição de fatos corriqueiros e trabalharmos o elemento poeticidade nos nossos escritos, o que os reveste de um encanto especial.

Eu poderia ir um pouco além, mas encerro por aqui, deixando que cada leitor ou leitora acrescente algo mais que observou ou descobriu a partir dessa leitura de “Outro domingo”. Deixe o seu comentário que, com certeza, contribuirá para abrir um pouco mais o campo da nossa compreensão acerca desse poetrix da talentosa poeta Diana Pilatti.


José de Castro,
Poeta e membro da Academia Internacional Poetrix, cadeira 11.

Texto original no blog da Academia Internacional Poetrix Coluna Literária - Outro Domingo por José de Castro.

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